Casa e Verbo
Bem-vindos/Nhôs txiga! Pensatempos sobre línguas e literaturas de Cabo Verde. Verdianos e crioulas, amigos do "Povo das Ilhas", estudiosos e críticos, reflexões ou simples bate-papo, um mergulho na morabeza. Cabo Verde e África é o nosso lugar. Nossa voz é a PAZ que tem a cor do milho, o cheiro do Mar e a chuva braba de Deus. Mantenha
terça-feira, 18 de agosto de 2015
quinta-feira, 2 de janeiro de 2014
FELIZ 2014
Do fundo de Calhetona uma bananeira pariu. Os sapos esconderam-se todos
e os figos das figueiras eram mais doces. As calabaceiras vergaram-se para que
se colhessem seus frutos e os meninos de txuskema
foram-se deitar. Um sono profundo desceu sobre os olhos dos velhos. Os casais
se amaram. Só o mar e suas ondas espreitavam o luar, que estava de visita.
Cardumes de peixes vestiram-se de prata e as tartarugas, vendo que estava tudo
bem com seus ovos, foram repousar preguiçosamente no mar.
qualquer nada
É MELHOR QUE UM TEXTO
dores há na minha frente
e um baton vermelho usado ontem
é preciso navegar.
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
Do meu livro Outras pasárgadas de mim (no Prelo)
PEDAÇOS DO CONTO 1
CAPÍTULO VI – SUKUTA
Purifica
o teu coração antes de permitires que o amor entre nele, pois até o mel mais
doce azeda num recipiente sujo.
Calheta de S. Miguel, anos antes
O grande sonho de
Inácio-menino era ter uma casa branca de janelas azuis. Queria plantas trepadeiras
no quintal a fazerem sombra ao pote enterrado na areia. Um dia se casaria com
uma mulher bonita, preta de coxas largas e leite doce, para parir seus filhos.
E teria um cachorro branco, que se chamaria Tejo e um cachorro preto que se
chamaria Amigo.
Na sua meninice, os
rapazes aprendiam a pelotar o rabo da enxada, para garantir o pão de cada dia.
Nas propriedades do seu pai, havia muitos trabalhadores, e Naxe aprendeu com
todos eles as lidas do campo. Para o caso de um dia precisar. A família
conseguia viver bem, mesmo nos tempos de maior carestia. Mas nunca desejou
viver às custas do Pai. Nem queria se beneficiar dos seus haveres.
Por volta das 4h00
da tarde, ia sempre à casa do Padre: aprender a ler, a pensar e a agir (como
dizia o Pai). Foi admitido no Liceu Gil Eanes e lá estudou até o 5º ano. Decidiu
voltar para a sua terra, na ocasião de uma doença séria de Nhu Artur. Nunca
mais saiu de Calheta. Lia jornais, frequentava a igreja e os bailes e passava
as tardes de Domingo na casa do Padrinho. Ele tinha livros. Inácio leu todos os
que lá havia, mas voltava sempre: gostava de conversar com o Padrinho. Era seu
segundo pai.
Tinha 15 anos,
quando reparou na Edite. Era contentinha e tinha um corpo bonito. Só que era
dois anos mais velha e se julgava uma mulher feita. Um dia aconteceu estarem os
dois sozinhos e ele meteu conversa de Mano. Então se os dois tinham o mesmo
padrinho, deviam era ser amigos. Ela achou que sim. E sorriu. Sorria sempre
para ele. Mas não deu pé para mais nada.
Quando Naxe voltou
de vez, Edite já era maior de idade, mas ainda era menina solteira.
Disseram-lhe que ela nunca quisera se casar. Apareceram pretendentes, mas ela
fazia sempre uma manha para não ser dada em casamento. As línguas diziam que
ela tinha sentido era no Naxe.
Um sorriso aberto,
um coração grande, mãos para sempre calosas. Alto, corpo robusto, peito largo,
cheio de força. Por pouca coisa, dava gargalhadas. Era engraçado. As pessoas
gostavam dele. Era dado a todos, não tinha soberba por ser filho de Nhu Artur. Quando
Inácio reencontrou Edite, anos depois, na casa do Padrinho, ele desejou-a logo:
- Vais ser minha
mulher – ele disse na primeira oportunidade.
Ela deu-lhe as
costas e foi ter com a madrinha na cozinha. O Padrinho voltou e continuou a
conversa com ele. Inácio não ouviu mais nada e não viu mais ninguém. Sonhou com
Edite naquela noite e em quase todas as noites que se seguiram. Nunca mais se
encontrou com ela a sós. Ela fintava-o. Quanto mais o fintava, mais ele a
desejava.
……………………………………………………………
Mulher bonita é como
manga bijagó: quando verde, é amarga e ácida; quando madura, é cheirosa e
amarela. Se colhida antes, sabe mal; se não colheres a tempo, cai madura aos
teus pés: sabedoria de Naxe-homem, na réstia de lua que cobria os seios de
Edite. Já era madrugada de 15 de Agosto. Ela dormia, esquecida da vida. Ele
sorria um riso suado. Passou a mão no peito e na barriga e sorriu de novo.
Sentiu, sim, que estava acordado e que aquela preta de ancas largas e coxa
redonda era mesmo Edite. Era o que importava.
Nem chovia tanto
assim e Edite aceitou entrar pelo portão que dava para o quarto do Inácio.
Tinha medo de pegar uma constipação. Trabalhadeira como sempre, acabara de
ajudar Titia nas boitas da festa e passava por trás do seu quintal, dentro da
noitinha. Andava apressada pois queria chegar à casa, antes de o escuro fechar
de todo. Mas choveu. Ele viu-a atarantada debaixo daquela aguinha e convidou-a
para entrar e se abrigar da chuva. Entraram os dois, apressados. Ela ainda fez
questão de sair umas duas vezes. Ele atalhou: espera mais um pouquinho. Não te
vás constipar por-si. Protegeu a mana. Estava no seu dever de homem.
Na casa de diante,
os pais do Inácio jantavam com os hóspedes que vieram passar o 15 de Agosto de
véspera. Ela não se importou de esperar no quarto. Só lhe faria mal ficar de
roupa molhada. Precisava de qualquer coisa para se trocar. Naxe não entendia
bem como tinha acontecido, entre tentar encontrar qualquer coisa de vestir e
ver, sem querer, parte do corpo de Edite. Não evitou o velho hábito de passar a
mão pelo próprio corpo, como sempre fazia quando estava ansioso. Não foi
intencional provocar Edite, nem foi desrespeitoso ao olhar depois para ela,
vestida de uma combinação branca de rendas, a única roupa de mulher que
encontrou guardada no quarto ao lado. Rendas, laços e bordados faziam-no sentir
tonto. Um dia tentou explicar a um amigo como seus olhos se perdiam nas rendas
e bordados de roupa de mulher e como, às vezes, era preciso devolvê-los ao
sítio certo, quase com as mãos, porque, senão, nunca mais voltariam à sua cara.
Já passou muita vergonha com seus olhos.
Ela devia estar
tonta com alguma coisa também, porque não conseguia atinar com apertar o laço
da combinação. Ele quis ajudá-la, mas, depois, esqueceu o decoro. E Edite também,
afora as resistências da praxe, a manga estava madura e doce. E Naxe-homem,
cheio de fome, sentiu-a. A última lembrança sóbria que ele tem do acontecido
foram as mãos dele a tentar fazer o laço sob os peitos de Edite. Depois se
confundiu todo, ainda mais do que ela. Ele nunca soube lidar muito bem com
laços e rendas, já disse. Daquela vez as rendas roubaram seus olhos e os laços
roubaram suas mãos. Não atinou em segurar os olhos com as próprias mãos, para
colocá-los de volta à cara _ as mãos estavam ocupadas. E estavam perdidas no
laço de fita.
E ele então sonhou
que a manga madura tinha virado prova de mel e, depois, cuscuz quente com
manteiga derretida. Alguém lhe trazia o leite fresco de cabra e, noutra mão,
papa quente de milho novo. Viu o xarém da kunda com bonje-fava e barriga de
atum velho, cozinhado na pedra de fogão. Pelo seu nariz, passou o cheiro a
fornalha em ano de fartura. Sua pele sentiu a maresia fresca em noites de lua
cheia; e a serenata ao longe, vinda do Porto, cantava no violão de cordas “
Forsa de Kretxeu”. Estavam os dois como navio no mar.
Bem à sua frente,
tanta fartura em corpo de mulher. Assim a morna virou txabeta e foi aí que o
luar entrou pelo quarto adentro e lhe mostrou uma expressão de mulher que mais
era sorriso que medo. Espiou para os olhos fechados dela, e esperou o famoso “não!”;
e ainda passou a mão pelo próprio corpo, a ver se ouvia direito, mas só sentiu
os calores e o que julgou ser o bater do coração. Os dois eram café quente de
bule.
Então tomou-a.
E assim Inácio
lembrou os últimos momentos em que Edite ainda se chamava Edite e dormia feliz
na sua casa do Galeão. Ele ainda sentado na sua cama, nu prite os dois; Naxe segurava a queixada com ambas as mãos e
cuidava em acordar Edite, enquanto era tempo. Em vez disso, foi à janela ver a
Lua e pensou que devia ser isso o que chamavam de amor: ter uma mulher,
desejá-la profundamente, poder estar com ela uma e outra vez e, ainda assim,
querer viver com ela, todos os dias, melhor dizendo: todas as noites do resto
das suas vidas.
- Quero me casar com
Edite. Vai ser minha mulher! Vou falar ao Papai, vou dar uma satisfação às
famílias, minha e dela. E tudo se vai resolver pelo melhor._ Tudo no perfeito
sigilo, claro; ninguém, para além dos pais e da mãe dela, precisava saber
daquela noite. Então os dois formariam a sua família e ele não só se
responsabilizaria pelo acontecido, como teria a mulher dos seus sonhos. Edite, todas
as noites.
Já via Edite fazendo
sua comida, parindo seus filhos. E ele trabalhando muito, fazendo tudo o que
fosse necessário para que não lhe faltasse nada; fazendo-a feliz, como Mamãe e
Papai eram. Inácio-homem-que-honra-as-calças-que-veste voltou para cama
decidido a reparar o mal. E acordou Edite. Ela parecia assustada e ia-lhe fazer
uma pergunta importante…, mas nisso entraram pelo quarto adentro e viraram
ambas as vidas do avesso. O resto foi um pesadelo. Primeiro a mãe dele; depois
a parteira; depois ele foi expulso, para que conversassem com Edite sozinha.
Depois, no fim, todos da sua família e mais Edite, que não conseguia justificar
a sua verdade de que Inácio teria sido o seu primeiro homem… Ela chorava, e
chorava, e dizia que não: não ia voltar para a casa da Mãe, assim.
- Assim como, Edite? Vais voltar assim
como chegaste: MULHER!
- Não senhora, eu
entrei aqui, menina, não vou sair daqui mulher, como se não fosse séria. Minha
mãe não vai aceitar isso. Eu vou parar na boca de mundo.
- Menina, Edite?! Se eras menina, então
onde está a tua prova? Aqui ninguém entrou e ninguém saiu. Inácio não te deve
nada. Eu vou dar satisfação à tua mãe, porque sou mãe, e ela deve estar
preocupada com o teu desaparecimento. Mas Inácio não te deveu. Coitada da tua
mãe! Que vergonha vai sentir por ti…!
Edite chorava só. E
chorava muito, sem saber o que dizer.
A sabatina de Edite
podia ser mais dolorosa, mas a sabatina de Inácio não era menos vergonhosa. Nhu
Artur levou o filho para outro quarto a ver se, longe das mulheres, ele diria a
verdade.
- Inácio, meu filho
– reclamava o pai, com ele a sós _ tu não sentes uma mulher quando ela serve um
homem pela primeira vez?
- Papai, ela me
disse que nunca tinha tido outro e eu acreditei.
- Mas sentiste ou
não a diferença? Tu és um moço viajado, filho. Não me digas que não sabes
sentir essas diferenças!
- Não senti, Pai. E
não me lembrei de pensar em sentir isso. Eu acreditei nela. Antes disso, ela
tinha todo o jeito de menina nova.
- Jeito é uma coisa,
filho; mas corpo… corpo de mulher é
outra coisa. Estou a falar do corpo dela, tu me entendes, Naxe.
- Mas eu não senti
nenhuma diferença. Nem no corpo dela, e nem no seu corpo de mulher…
- Inácio, não me
atrapalhes a cabeça: não sentiste a diferença entre ela e as mulheres, ou a diferença entre ela e as meninas novas que te serviram?
- Oh Pai, paxenxa…eu
esqueci de me lembrar de pensar nessas diferenças. Mas eu assumo as minhas
responsabilidades. Eu sou homem, eu dei a minha palavra a uma mulher; e vou
assumir as minhas responsabilidades.
- Pois, claro! Desde
que mundo é mundo, nenhum Furtado deixou de cumprir com as suas obrigações. Mas
primeiro, há que ver quais as tuas responsabilidades. Porque também nenhum
Furtado serviu jamais de chacota, nem tomou os restos de outro homem.
Pela primeira vez na
vida, Inácio sentiu que a sua vida não era dele e que, definitivamente, não
estava nada compassado: nem os seus sonhos, nem os seus planos, nem a sua
palavra de honra. O pai pediu que ele esperasse no quarto. Ainda ouviu seu pai
chamar sua mãe para a sala e os dois saíram de lá e não lhe disseram um piu. Ele
num quarto, Edite e as sentinelas no outro.
Depois disso, eram
só reuniões. Chamaram a Mãe de Edite, chamaram a Madrinha…parece que todas
foram ver a tal combinação que ele tinha trazido e tinha ajudado Edite a vestir.
Soube também que os lençóis e tudo o mais foram entregues à família de Edite,
como prova da não responsabilidade de Inácio. Ele, realmente, não tinha visto
sangue nenhum, mas teimava em dizer que aquilo era tudo muito estranho. Edite
não era mentirosa e não se tinha metido na sua cama como uma mulher que já era mulher. Havia algo de especial nela. Todo
o jeito dela parecia estar a descobrir o mundo pela primeira vez. A manga de
Inácio foi colhida na hora. Mas como se fazer entender se não havia a prova? Não podia provar, realmente.
Mas não estava tranquilo.
A mãe de Edite
passou semanas na cama. E, depois de melhor, ficou meses sem ir à igreja, único
lugar que frequentava, desde que ficara viúva. Edite passou a ter má fama,
ficou na boca do povo e, pior do que isso, Edite odiava-o. Nunca mais se
encontraram. Nunca puderam conversar sobre o assunto. Ela evitava-o.
Encontraram-se um
dia no Tribunal, para onde o Tio dela lhes levou. Não fossem os Furtado pensar
que, só porque o pai dela tinha morrido, ela não tinha a quem recorrer.
quarta-feira, 1 de agosto de 2012
1º PRÉMIO NACIONAL DE INCLUSÃO - partilho MOMENTOS do conto em nome da mãe
PEDAÇO DO CAPÍTULO 1 – Casa de tranças
- História, história.
- Fortuna do céu amém!
Uma vez tinha uma menina que era eu, a Clara, e o meu irmão, Camões.
A história que te vou contar é para o meu irmão dormir. Este é o meu irmão Camões. Ele tem cinco meses. Ele só tem um nome de igreja e um nome de casa. Nossa Mãe me contou que havia um homem muito sabido que se chamava Camões e ela gostava muito que o Camões se chamasse Camões, como o mais velho dos livros. O Chefe lá do registo civil mandou dizer à minha mãe que ninguém se chama Camões. Era preciso chamar o menino de Luís, então.
A minha mãe achou que Luís não tinha nada a ver com Camões:
- No registo manda o senhor, no meu filho mando eu.
- Minha senhora, Camões é o apelido de um homem muito sabido, deveras, mas não é nome. Ele se chamava Luís de Camões. Era um grande homem, um escritor e tudo, assim como a Professora lhe contou…
- Camões, Sr. Chefe. O filho é meu. O pai dele viajou eu ainda grávida. Não há-de ser o senhor a escolher o nome para o meu filho, se faz favor.
- Luís, senhora. Luís é que é o nome próprio. Tenho dito, em nome da Lei. Nisto a minha mãe mandingou e quando ela fica assim não responde um piu. O Chefe deu as costas e foi lá para dentro. A senhora do registo queria era obedecer ao Chefe. Minha Mãe deu as costas e foi chamar Tio Sim. Essa não era uma razão para se decidir sozinha. Trouxe o homem da família. Mas Tio Sim achou que não tinha precisão de incomodar o Chefe. E o Tio Sim, que sabia assinar, assinou. E a Tia Segunda, que sabia assinar, assinou. E Mamã que não sabe assinar não assinou.
Chegou à casa e disse:
“Vamos dar banho ao Camões”.
“Vamos dar de mamar ao Camões.”
“Camões já fez xixi.”
“Camões já sabe sorrir.”
“ Camões é um menino sabido. Daqui a pouco come cachupa.”
E ficou Camões.
A história que te vou contar é para o irmão Kodê dormir.
Eu sou a Clara, tenho cinco anos e vou estudar a 1ª classe.
- História, história.
- Fortuna do céu amém!
Uma vez tinha uma menina que era eu, a Clara, e o meu irmão, Camões.
A história que te vou contar é para o meu irmão dormir. Este é o meu irmão Camões. Ele tem cinco meses. Ele só tem um nome de igreja e um nome de casa. Nossa Mãe me contou que havia um homem muito sabido que se chamava Camões e ela gostava muito que o Camões se chamasse Camões, como o mais velho dos livros. O Chefe lá do registo civil mandou dizer à minha mãe que ninguém se chama Camões. Era preciso chamar o menino de Luís, então.
A minha mãe achou que Luís não tinha nada a ver com Camões:
- No registo manda o senhor, no meu filho mando eu.
- Minha senhora, Camões é o apelido de um homem muito sabido, deveras, mas não é nome. Ele se chamava Luís de Camões. Era um grande homem, um escritor e tudo, assim como a Professora lhe contou…
- Camões, Sr. Chefe. O filho é meu. O pai dele viajou eu ainda grávida. Não há-de ser o senhor a escolher o nome para o meu filho, se faz favor.
- Luís, senhora. Luís é que é o nome próprio. Tenho dito, em nome da Lei. Nisto a minha mãe mandingou e quando ela fica assim não responde um piu. O Chefe deu as costas e foi lá para dentro. A senhora do registo queria era obedecer ao Chefe. Minha Mãe deu as costas e foi chamar Tio Sim. Essa não era uma razão para se decidir sozinha. Trouxe o homem da família. Mas Tio Sim achou que não tinha precisão de incomodar o Chefe. E o Tio Sim, que sabia assinar, assinou. E a Tia Segunda, que sabia assinar, assinou. E Mamã que não sabe assinar não assinou.
Chegou à casa e disse:
“Vamos dar banho ao Camões”.
“Vamos dar de mamar ao Camões.”
“Camões já fez xixi.”
“Camões já sabe sorrir.”
“ Camões é um menino sabido. Daqui a pouco come cachupa.”
E ficou Camões.
A história que te vou contar é para o irmão Kodê dormir.
Eu sou a Clara, tenho cinco anos e vou estudar a 1ª classe.
O meu nome de casa é Preta, mas meus irmãos e nossa Mãe me chamam de Netinha, porque tem semanas que a Vovó vem passar conosco e então, assim, ninguém se confunde. Vovó conta que antes de se casar com Papai Velho, todos a chamavam de Clarinha de Dona Tuda de Compá António.
Diz que o Pai dela foi um grande emigrante mercano que tinha muitos afilhados cá na terra. Depois que se casou, passou a ser Clara de Gregório Simas.
Foi assim que Vovó se chamava quando se casou, por procuração, com o Marinheiro de Mar Alto. Ela tinha 15 anos. Aos 20 anos, já mulher arredondada, conheceu Nhô Gregório na missa de sete dias do seu Pai. Diz que o marido ouviu dizer que já não havia nenhum homem na família para cuidar da honra da sua esposa; e resolveu dar a sua razão para voltar para a terra.
E veio mesmo.
Então, sim. Foi aí que nasceram todas as tias da família.
Tio Sim veio no fim. Tia Rosa, Tia Rosinha, Tia Rosita e Tia Rosenda; Tia Maria Sábado, Tia Domingas, Tia Quinta. Então Mamãe Velha não era mais a Clara. Passou a ser Mãe de Sete Filhas.
Nominho: Mãe de Sete.
PEDAÇO DO CAPÍTULO 6
Dizem-me os jornais que chove em Cabo Verde: Forti sábi!
Se a esperança d’azágua se renova a cada dia e a boa nova da chuva é promessa de ano bom, então à minha boca vêm palavras como milho, fartura, feijão, saúde, festas e certeza.
Que o nosso Cabo Verde se faz em segunda sementeira: na monda e na ramonda; e que as bonecas de milho, as cordeiras de feijão, o milho verde assado e a katxupa de cada dia se cozinham, nas três pedras do fogão, no tomar a bênção e no rabo da enxada.
Semear e colher, com o coração de pescador e a certeza do chão que pisas, está também nos livros, cada vez mais, cada vez sim, nos livros. Porque é nos livros que somos! _ e foi contada a nossa história de azeviches. E, nos livros, a morabeza se dá a conhecer para o mundo.
Chove em Cabo Verde.
O Contador de Histórias me disse que choveu também em S. Vicente. Sinal de boas águas. De Pe. António Vieira a Mané Quim, haja testamentos de muitos
Napumocenos para iluminar a nossa história de azeviches. E haja também Gracinha(s), que herdem, no feminino, uma estória para se contar: com as nossas próprias cabeças e com os pés bem finkados na TERRA: Terra chão, Terra mar, Terra céu.
É que, segundo Princezito, mar é prolongamento de terra, só que na versão molhada. Para verdianos e crioulas, nosso mar e nossa terra… é tudo uma coisa só. E os nossos sonhos…nosso orgulho é tão grande, porque amparados por mil águas: o doce da chuva e o salgado do mar.
Então sim, como dizia a Preta. Decidi me meter nesta história de kunfiada que sou.
Eu era para lhe falar de uma bela mulher, dessas que não mais nascerão e que nos deixam uma saudade sem dor, um alívio pelo fim do sofrimento de sete anos e uma morte _diga-se, mesmo que pareça estranho _ tão digna quanto a vida.
Se eu contasse uma história da menina que nasce, cresce e se casa lá pelos interiores de Santiago, forçada à situação de analfabeta, e depois de separada, pelo machismo do seu tempo: e que pare e cria cinco filhos machos e cinco filhos fêmeas, e faz deles dois médicos, duas freiras, um jurista, quatro professores, um electricista e um psicólogo; e todos muito unidos; se somar a estes milagres as deslocações de oito kms diários de ida mais outros de volta, a pé, para se completar o Ensino Básico na Vila, e depois no Liceu da Praia; e depois os estudos na Europa, nas Américas e nas Áfricas, conforme o destino de cada filho, sem que nunca se tenha perdido nem a fé e nem a ligação afetiva entre os membros da família, pode-se entender a grandeza de certas mulheres.
Fica aí uma breve estória do tipo de heroína que a História nunca registará. Estou, sim, de luto; dizem-me que posso ficar até o dia da missa de 7º dia a receber visitas de pêsames, sem trabalhar. Fora o fato de que os últimos meses foram muito sofridos para ela, honestamente, não há o que se lamentar a sua passagem. Mas talvez haja: certas renúncias inconfessas, muitas abnegações escondidas, em nome da educação dos filhos...vá-se lá saber…
quarta-feira, 18 de julho de 2012
HAPPY BIRTHDAY, MADIBA!
Aaah! Dalibhunga...
MANDELA FAZ 94 ANOS, HOJE.
Um exemplo de vida, um africano de fibra: orgulho negro.
CONGRATS, TATA.
MAY GOD KEEP YOU SAFE...
sexta-feira, 13 de julho de 2012
MENINOS EU VI!
Eu vi os vómitos viscerais, eu vi o desespero em querer prolongar a vida. Eu vi a angústia de saber mas nunca aceitar a derrota. E depois a teimosia em não aceitar o fim. Eu vi todos a embarcar na derradeira esperança de que talvez consigamos vencer esta; quem sabe tenhamos mais um ano juntos;
quem sabe, então, mais seis meses.
Bom, o bom Deus nos dê a graça de um mês...
E a cada dia, os ojetivos ficando menores, a esperança mais modesta.
Então, chegada a hora, ninguém viu, ninguém vê, ninguém quer ver.
- Eu já perdi a fala?
Ela perguntou de olhos arregalados e feição desesperada. Acalmei-a:
- Não, mamã. É a garganta que está inflamada por dentro e a voz não consegue sair.
Daí por diante, colávamos os ouvidos à sua boca e tentávamos ler-lhe os lábios. Faltavam apenas dois dias. E esperávamos que a voz voltasse.
De vez em quando, juntava todas as forças e dizia tudo o que era preciso.
Sábado, 2 de Junho, 12h00:
Eram três tigelas, uma para cada filha. Cada uma tentando ver o que é que daria para passar na garganta: remédio, leite, sopa???
Tudo escorregava pelo canto da boca.
A afilhada, sobrinha, Doutora, segurava os pulsos e nós outros esperávamos o milagre.
O quarto parou. O silêncio atropelou os movimentos.
Só Orisa desligava as coisas. Desligava, e desligava, e não parava de fazer sem falar. Tirava as almofadas, fechava o soro, colocava a cabeça de lado… Eram olhos nela e na mamã, à espera do milagre.
- Que horas são? Perguntou depois de lhe pousar a mão.
- Meio dia em ponto.
Nós todas e as nossas tigelas na mão.
E foi o ponto final.
E depois disso, e depois de tudo, e 45 dias depois…
ENTÃO, POR QUE CHORO?
Subscrever:
Mensagens (Atom)