Desperto o automóvel
que tem o pára-brisas coberto de pólen.
Coloco os óculos de sol.
O canto dos pássaros escurece.
Enquanto isso outro homem compra um diário
na estação de comboio
junto a um grande vagão de carga
completamente vermelho de ferrugem
que cintila ao sol.
Não há vazios por aqui.
Cruza o calor da primavera um corredor frio
por onde alguém entra depressa
e conta como foi caluniado
até na Direcção.
Por uma parte de trás da paisagem
chega a gralha
negra e branca. Pássaro agoirento.
E o melro que se move em todas as direcções
até que tudo seja um desenho a carvão,
salvo a roupa branca na corda de estender:
um coro da Palestina:
Não há vazios por aqui.
É fantástico sentir como cresce o meu poema
enquanto me vou encolhendo
Cresce, ocupa o meu lugar.
Desloca-me.
Expulsa-me do ninho.
O poema está pronto.
PÁSSAROS MATINAIS (1966) Autor: Tomas Tranströmer, poeta Sueco
Entrei sem pedir licença pelo seu mailbox adentro, para homenagear o novo prémio Nobel de Literatura 2011, anunciado há momentos. Escolhi exactamente este poema para celebrar, porque ele é um sintoma das mudanças do dito “Cânone” e simboliza muito o valor da arte, da escrita, da literatura e do livro. Lembremos que Tomas está na casa dos 80, não pode mais falar, vive literalmente numa ilha e parece ter traçado o seu destino há 45 anos.
O “Bibliotecário de Babel” disse sobre o prémio: “ Em 2007, Doris Lessing soube do Nobel quando chegou a casa, com os sacos das compras, e viu uma multidão de jornalistas à sua porta. Normalmente, os vencedores são avisados por telefone. Mas Tranströmer vive numa ilha, longe de tudo, propositadamente isolado do mundo. Sem jornalistas à porta, terá atendido o telefonema de Estocolmo? Ou será que olhava as árvores a andar «de aqui para ali sob a chuva» e foi preciso alguém murmurar-lhe ao ouvido que o grande mundo está, finalmente, de olhos postos nele?”
Ou vale lembrar Jorge Luis Borges que diz “Tenho a suspeita de que a espécie humana _ a única _ está prestes a extinguir-se e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta”.
O certo é que “Não há vazios por aqui.”, na Praia, em 6 de Outubro de 2011.
Um afago poético e boa leitura, Augusta
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