Um aniversário
Diziam cartas e telegramas
da família:
- Muitos parabéns, muitas felicidades
E um irmão doente
a mãe cheia de saudades
e a pobreza
calmamente consentida na existência religiosa.
E a glória de ter um filho formado em Medicina!
Fora do lar
um ex-virtuoso amigo que se embriaga
os nossos exportados par São Tomé
a prostituição
a angústia geral
a vergonha
E a esperança de ter um dos nossos formado em Medicina!
No mundo
a Coreia ensanguentada às mãos dos homens
fuzilamentos na Grécia e greves na Itália
o apartheid na África
e a azáfama nas fábricas atómicas para matar
em massa matar cada vez mais homens
Eles espancando-nos
e pregando o terror
mas no mundo constrói-se
no mundo constrói-se.
E o nosso formado em Medicina
construirá também!
Nós com a certeza e com a incerteza dos instantes
com o direito e enveredando por caminhos escabrosos
nós os fortes fugindo como gazelas débeis.
E no mundo constrói-se
no mundo constrói-se.
Este um dia do meu aniversário
um dos nossos dias
de vida sabendo a tamarindo
em que nad dizemos nada fazemos nada sofremos
como tributo à escravidão.
Um dia inútil como tantos outros até um dia
Mas duma inutilidade necessária.
Setembro de 1951
(NETO, 1979, p 76-77)
Confiança
O oceano separou-me de mim
enquanto me fui esquecendo nos séculos
e eis-me presente
reunindo em mim o espaço
condensado o tempo
Na minha história
existe o paradoxo do homem disperso
(…)
As minhas mãos colocaram pedras
no alicerce do mundo
mereço omeu pedaço de pão.
(sem data)
(Agostinho Neto, p. 67 in ERVEDOSA, Carlos. Roteiro da Literatura Angolana. 3ed. S/C, União dos Escritores Angolanos. 1985
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